domingo, 24 de agosto de 2014

Morte na Fundação Casa provoca protesto



Familiares e amigos do adolescente morto há oito dias se manifestam para buscar respostas sobre óbito suspeito

23/08/2014 - 16:23
Jornal A Cidade - Lucas Catanho
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Sérgio Masson
Mãe e familiares protestam em frente a Fundação Casa onde adolescente foi morto (Foto: Sérgio Masson)
Familiares e amigos do adolescente Fabrício de Souza Araujo, 16 anos, protestaram em frente à unidade Rio Pardo da Fundação Casa no início da tarde de ontem, em Ribeirão Preto.
De acordo com a mãe do jovem, a açougueira Maria do Socorro Marçal da Silva, 36 anos, a manifestação teve como principal objetivo buscar respostas à morte suspeita do adolescente ocorrida no último sábado, dia 16 de agosto.
O protesto pacífico ocorreu uma semana depois da morte do interno da Fundação Casa. Pessoas próximas ao jovem, como a mãe dele, acreditam na hipótese de que o adolescente morreu em decorrência de agressão e não engasgado por uma bolinha de desodorante roll-on, versão apresentada pela entidade.
“Quero saber realmente o que aconteceu com o meu filho. Como uma bolinha de desodorante pode ter matado ele?”, questiona.
Ao todo, cerca de 30 pessoas participaram do protesto. Os manifestantes levaram cartazes com reivindicações de paz e justiça e alguns exibiam fotos feitas pela família do adolescente com ferimentos na cabeça, braço, pescoço e com a mão quebrada, segundo informações transmitidas pela mãe do jovem.
O protesto teve início às 11h e ocorreu de maneira pacífica até por volta das 17h. Algumas mães que esperavam o horário da visita aos internos também participaram da manifestação.
“A única esperança que eu tenho para poder viver em paz é ter essa resposta. Meu filho estava pagando por tráfico, foi preso pela primeira vez, mas era um bom menino, um bom irmão, não era criminoso. Enquanto não me derem essa resposta os protestos vão continuar”, defende a mãe.
Conforme o jornal A Cidade divulgou na edição de terça-feira, dia 19 de agosto, a Polícia Civil de Ribeirão Preto e a Corregedoria da Fundação Casa vão investigar a morte do adolescente.
O jovem, que cumpria internação na unidade Rio Pardo, chegou com parada cardiorrespiratória à UBDS (Unidade Básica Distrital de Saúde) da Vila Virgínia no início da tarde de sábado, 16 de agosto, e morreu logo em seguida.
A família do jovem não acredita na versão preliminar apresentada pela Fundação Casa para explicar a morte. A Prefeitura de Ribeirão Preto também contesta as informações passadas pela instituição em relação ao atendimento prestado a Fabricio e à causa de sua morte.
A reportagem do A Cidade tentou contato com a assessoria de imprensa da Fundação Casa ontem à tarde, mas ninguém atendeu ao telefone na sede da instituição, em São Paulo.

quinta-feira, 14 de agosto de 2014

NOTA: A POLÍTICA DA PRISÃO E A PRISÃO DA POLÍTICA

NOTA: A POLÍTICA DA PRISÃO E A PRISÃO DA POLÍTICA

 

"Todo camburão tem um pouco de navio negreiro..."

A política da prisão e a prisão da política – nota da Rede 2 de Outubro sobre as detenções de ativistas e da população pobre e preta no Brasil

A violência sistemática empregue pelo sistema penal se tornou mais evidente à classe média desde que as lutas travadas nas ruas se intensificaram em junho do ano passado.

De lá para cá, o Estado estendeu seu aparato repressor contra todas as pessoas  que se prontificam a atuar politicamente fora dos caducos espaços institucionais, demarcados para o exercício da “grande política”, processo que foi acentuado pelo espetáculo futebolístico neoliberal promovido pela FIFA, com sua inerente política de lei e ordem.

O resultado é a atual criminalização dos movimentos sociais e a identificação do “vândalo” como mais um inimigo público. Estudantes e professores universitários voltam a ser alvos de prisões e torturas. As sessões de socos e chutes pelas quais passaram Fábio Hideki, Rafael Marques e Murilo Magalhães e o inquérito persecutório sobre Camila Jourdan são apenas alguns exemplos.
 
Massacre do Carandiru - 2 de outubro de 1992
Entretanto, os encarceramentos arbitrários e espancamentos efetuados em delegacias, penitenciárias, prisões para jovens e nas ruas e vielas das grandes cidades são práticas já bem conhecidas pela população marginalizada brasileira. Não é de hoje que agentes policiais surram pessoas jovens e adultas, pretas e pobres e depositam seus corpos vivos ou quase vivos em pocilgas fétidas superlotadas que constituem o gigantesco parque carcerário do país, o terceiro maior do planeta. Atualmente, são mais de 700 mil pessoas presas no Brasil, das quais mais de 60% são negros.
 
Também não é de hoje que o Estado brasileiro prende sem provas e mantém centenas de milhares de pessoas encarceradas sem condenação definitiva (quase metade da população prisional brasileira está nessa situação). Em 2012, somente entre as pessoas presas provisoriamente, mais de 70% sofreram algum tipo de agressão policial no instante em que foram capturadas.

As prisões de ativistas ao longo dos últimos meses escancaram os procedimentos diários do sistema de justiça. Espantados, muitos manifestantes reclamam o caráter político das perseguições e aprisionamentos, invocando a velha distinção entre preso político e preso comum. Parecem querer reservar a si os aspectos injustos da clausura, do sequestro estatal e das agressões físicas que obrigatoriamente o acompanham.

É necessário lembrar, no entanto, que o sistema penal, ao contrário do que é oficialmente propagado, não existe para combater a criminalidade, mas sim para controlar e dividir o povo preto que sobrevive às precariedades das quebradas e que, organizado, poderia derrubar esse sistema de injustiças que nos massacra todos os dias.

A prisão é um instrumento político por excelência. Basta olhar um pouco mais de perto aquelas e aqueles que a ela são enviada/os: em sua imensa maioria, por acusação de pequeno tráfico de drogas ou dos chamados “crimes contra o patrimônio”. No primeiro caso, desdobramento direto de uma política proibicionista que tira daí o seu próprio lucro. No segundo, expressão concreta da defesa da propriedade privada que, no capitalismo, vale mais do que a liberdade de mais de 200 mil “favelados”, “muleques de rua”, “más mães” ou “indigentes” sob privação de liberdade atualmente por furtos ou roubos.
 
Mumia Abu Jamal
Se a prisão é uma estratégia política de contenção e eliminação física de pessoas indesejadas pela alta sociedade, está claro o bastante que toda prisão é uma prisão política. As abomináveis prisões de ativistas no Brasil somam-se às abomináveis prisões que recaem histórica e infalivelmente sobre a população pobre do país. A revisitada criminalização dos movimentos sociais junta-se à velha criminalização da miséria.

Convém, portanto, àquelas e àqueles que lutam por uma sociedade sem classes e opressões, que se unam, desde baixo, à luta e à resistência contra o sistema penal e contra o genocídio que por meio daquele segue em fúnebre marcha. Por uma vida sem classes, grades, racismo e machismo, provocamos todas as companheiras e todos os companheiros a abdicarem das pequenas tentações liberais e a se engajarem na desconstrução da seletividade desde as práticas militantes.


Liberdade ao povo pobre já!

Liberdade a todas as pessoas presas!

Por uma vida sem grades e sem opressões!

segunda-feira, 11 de agosto de 2014


MP denuncia governo Alckmin e Fundação Casa e fala em "nova Febem"

Promotores dizem que a situação na fundação atingiu “patamares inimagináveis”. Superlotação é tanta que menores estão sendo liberados.
por Renan Truffi publicado 08/08/2014 11:46, última modificação 08/08/2014 16:23
Moacyr Lopes Jr. / Folhapress
http://www.cartacapital.com.br/revista/812/ministerio-publico-denuncia-governo-alckmin-e-fundacao-casa-e-fala-em-nova-febem-9382.html 
policial-militar-menor
Policial militar agarra menor na rua Amaral Gurgel, no centro de São Paulo
A situação da Fundação Casa atingiu “patamares inimagináveis”. A avaliação é do Ministério Público de São Paulo. Na última quarta-feira 6, a Promotoria de Justiça da Infância e Juventude da Capital denunciou na Justiça o governo do tucano Geraldo Alckmin e a fundação, por conta da superlotação nas unidades que aplicam as medidas socioeducativas para menores detidos no estado. A reportagem de CartaCapital teve acesso com exclusividade à ação civil pública e, segundo o documento, 91,37% das “casas de internação” estão com um número de adolescentes acima do limite máximo definido nas portarias administrativas.
A informação é resultado de um diagnóstico inédito da Promotoria, iniciado em março de 2013. Seis promotores lideraram o trabalho: Tiago de Toledo Rodrigues, Pedro Eduardo de Camargo Elias, Fábio José Bueno, Daniela Hashimoto, Santiago Miguel Nakano Perez e Fabíola Aparecida Cezarini. Eles catalogaram o número de menores internados nas unidades em cada visita mensal. Com isso, o MP descobriu que 106 das 116 unidades de internação do estado têm mais adolescentes do que podem abrigar. Foram contabilizadas 8.079 vagas em todo o sistema, enquanto a demanda é de pelo menos 9.549 vagas. Isso quer dizer que o déficit hoje é de 1.470 vagas, equivalente a 18,19% do oferecido atualmente.
“A situação, de séria gravidade, configura flagrante desrespeito aos direitos humanos dos adolescentes”, diz o texto da ação. Em uma das unidades visitadas pelos promotores, a superlotação era de 158,33% acima da capacidade. O flagrante foi feito na unidade Sorocaba IV, no interior do estado. Com capacidade para receber 24 internos, estava com 62 em abril. Na capital paulista, a situação mais grave foi constatada na unidade Rio Paraná, no bairro do Brás. Com espaço para 110 menores infratores, alocava 198 adolescentes – também em abril.
O cenário, classificado pela Promotoria como “calamitoso” e um “horror”, obrigou o órgão a pedir judicialmente soluções em até um ano. Se aceita pela Justiça, a ação estipula que a Fundação Casa tem seis meses para criar as vagas, de sorte a atender à demanda excedente em seis meses, sob pena de multa diária de 10 mil reais por vaga não oferecida. Foi pedido ainda o fechamento das unidades e o afastamento provisório dos dirigentes da Fundação Casa, gerida atualmente pela presidente Berenice Maria Giannella. Se não criar nenhuma das vagas pedidas pelos promotores, o estado terá de pagar multa de 14,7 milhões de reais por dia.
A ação determina ainda o prazo máximo de um ano para a Fundação Casa adaptar todas as suas unidades, de acordo com o que define o Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente. O Conanda estabelece que 40 vagas é o máximo que cada unidade deveria ter para garantir o caráter individual da ressocialização dos adolescentes. “Uma unidade projetada para receber 110 menores, por exemplo, tem de ter em seis meses, no máximo, esses 110. Em um ano, tem de ser uma unidade só para 40 internos (número considerado ideal pelo Conselho)”, explica o promotor Pedro Eduardo de Camargo Elias.
Maus-tratos e multas milionárias
Essa deve ser a maior dificuldade da gestão tucana para ajustar a antiga Febem ao pedido da Promotoria. Do total de unidades superlotadas, só quatro já têm como capacidade máxima o número de 40 internos. As outras teriam de ser desmembradas para alcançar as condições mínimas para recuperação do adolescente. A pena deve ser a mesma: multa diária de 10 mil reais por vaga não oferecida.
Além disso, o governo Alckmin terá de apresentar num prazo máximo de três meses um cronograma detalhado, “descrevendo as medidas já adotadas e as que serão implementadas para o atendimento dos itens”. Caso não faça isso, o MP determina mais uma multa: 1 milhão de reais por dia. Finalmente, os promotores colocam como último pedido da ação civil uma exigência ao estado: em seis meses deve começar a ser feito um planejamento para atender à demanda futura, com base em projeção de aumento de internos.
A conclusão dos promotores é de que, se continuar do jeito que está, a Fundação Casa “acabará como uma nova Febem”. “Se a Fundação Casa mantiver as coisas no curso atual, nós estamos caminhando, sim, para um cenário em que a Fundação Casa voltará a ser aquilo que era a Febem”, alerta o promotor Tiago de Toledo Rodrigues.
A comparação encontra respaldo em diversos pontos da ação civil. Na ação está descrito um quadro de “tensão ininterrupta” causado pela superlotação das unidades. Faz parte do cotidiano dos menores, por exemplo, “dormir na praia”, gíria interna que significa passar a noite no chão, muitas vezes sem colchão. O mesmo acontece nas salas de aula. Todas foram planejadas para receber um número máximo de internos. Não é o que acontece. Segundo a Promotoria, isso pode afetar totalmente a recuperação dos menores, que acabam não encontrando ajuda para não voltarem a cometer crimes.
A situação é idêntica no refeitório, em banheiros, áreas comuns e de lazer. São necessários rodízios no horário do almoço, do banho e de todas as demais atividades rotineiras. Com comida fria, sem banho e com problemas para fazer atividades físicas ou de ressocialização, os adolescentes ficam estressados e, consequentemente, os funcionários também. “O ambiente, inóspito, diuturnamente dá causa a outros transtornos. Há crescente e significativo aumento dos conflitos entre os adolescentes. Não raro esses conflitos envolvem também funcionários que, igualmente, são expostos a sérios riscos”, denuncia a ação do MP.
Libertação de menores
A reportagem também teve acesso a um relatório feito pela primeira vez na mesma Promotoria sobre o processo de liberação dos menores. De três em três meses, a Fundação Casa é obrigada a fazer um relatório técnico sobre todos os adolescentes internados. Neste documento, o órgão explica como está o processo de ressocialização de cada um dos jovens e conclui se eles estão prontos para voltar às ruas, se devem continuar em “tratamento” ou se podem começar uma “desinternação progressiva”, situação na qual o jovem pode passar para “Liberdade Assistida”, por exemplo.
Em julho, o Ministério Público analisou todos os documentos que recomendavam a desinternação. Nesse período de um mês, a Fundação Casa pediu a soltura ou relaxamento das medidas socioeducativas para 273 adolescentes. Desse total, quase 95% é para jovens com menos 13 meses de internação, quando cada adolescente pode ficar até três anos no sistema. O caso levanta a suspeita de que a Fundação Casa esteja liberando os adolescentes para evitar que o sistema entre em colapso.
A ação foi entregue a CartaCapital na mesma semana em que o governador Geraldo Alckmin foi a Brasília justamente para pedir penas mais duras a menores infratores. Na terça-feira 5, Alckmin encontrou-se com lideranças do PSDB na Câmara dos Deputados para pedir votação com urgência para o projeto de seu colega de partido que reduz a maioridade penal. Em caso de aprovação, o projeto pressionaria ainda mais o sistema já saturado.
O fato é que a superlotação já tem colocado na rua jovens que precisam passar por medidas socioeducativas para se reintegrar à sociedade. Em março, um adolescente que havia sido detido em uma delegacia de Dracena, no interior do estado, foi solto depois de cinco dias, porque a Fundação Casa não tinha vaga.
Procurada pela reportagem, a Fundação Casa informou que ainda não foi notificada da ação, mas argumentou que a superlotação é culpa da Justiça paulista. “O excedente que existe na instituição deve-se, principalmente, às exageradas internações.” Procurado, o governo do estado não se manifestou sobre a ação do Ministério Público.